Nem tudo o que caracteriza os seres vivos reflecte necessariamente uma utilidade ou função.
Os exemplos da cauda do pavão e do apêndice cecal humano ilustram bem essa afirmação.
Será que nosso sono, ou o de quase todos os mamíferos ou das aves pode ser considerado um acessório sem "utilidade" do ponto de vista da sobrevivência dos organismos?
Tudo indica que não.
Mas se indagarmos sobre a utilidade do sono para quem estuda o sono, provavelmente a resposta será que não tem apenas uma, mas muitas utilidades.
Uma delas diz respeito à coincidência entre sono e certas actividades orgânicas, como a secreção de várias hormonas em mamíferos. O sono não é responsável pela produção dessas hormonas, mas sem dúvida que as intensifica. Tal constatação caracteriza o papel do sono como facilitador dos processos de produção dessas hormonas.
Outra utilidade aparente do sono é a sua capacidade de propiciar distintos modos de funcionamento do cérebro durante uma noite, que se manifestam sob a forma de estágios: sono superficial, sono profundo e sono paradoxal. Esses dois últimos apresentam o que se convencionou chamar de "efeito reboque":
um indivíduo privado de uma noite de sono compensa essa privação na noite seguinte, exibindo preferencialmente esses dois estágios.
O sono parece estar ligado à capacidade do cérebro de adquirir e resgatar informações, como comprovam as actividades experimentais que associam o sono e a memória. Além de dificultar a aprendizagem, a falta de sono induz modificações importantes no humor das pessoas.
Tais factos mostram a importância do sono e talvez expliquem sua presença em diversas espécies. Em invertebrados, embora seja discutível chamar o estado de inactividade de sono, a alternância entre actividade e repouso é uma regra.
A suposta "inutilidade" do sono não tem, pois, fundamento científico, adequando-se a um tipo de mentalidade que só entende funcionalidade dos fenómenos biológicos quando estes têm relação imediata de causa e efeito.Por outro lado, permanecer em vigília constante não é compatível com a especialização de animais de hábitos diurno e nocturno.
Já se imaginou a fugir de uma onça na floresta em plena noite escura?
Luiz Menna Barreto
(texto publicado na revista Ciência Hoje, vol 25, n 148, p.4, 1999)

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